O joio do trigo #55 - A Influência que Não Existe!

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Um apartamento claro em Pinheiros, decoração elegante sem afetação, a câmera trêmula como quem busca espontaneidade. Uma jovem atravessa os cômodos e compartilha impressões do dia, fala de viagens recentes, receitas, descobertas — tudo em tom leve, direto, como quem conversa com um amigo íntimo. A naturalidade é tamanha que não suscita dúvida: ali está alguém real?

Vamos separar o Joio do Trigo?

O chique é ser simples 

A influenciadora que nos guia por um apartamento em São Paulo — entre comentários casuais e gestos ensaiadamente espontâneos — existe? Adianto: não. E, ainda assim, impressiona.

@jhonataemck

Uma influenciadora apresenta seu sofisticado apartamento no bairro de Pinheiros, em São Paulo

A influenciadora que nos sorri do outro lado da tela é uma criação digital gerada por inteligência artificial — fruto da plataforma Sora, que combina dados, imagem sintética e modelagem para conceber figuras humanas de verossimilhança desconcertante. A pergunta inevitável não é se ela parece real. É: importa que não seja?

O advento de personalidades virtuais insere uma nova camada na história da representação humana. Se antes a imagem projetava o indivíduo — com seus ângulos, falhas, desvios —, agora ela o substitui. Trata-se de um deslocamento sutil, mas com efeitos práticos consideráveis: empresas já preferem influencers digitais por sua previsibilidade, disponibilidade e imunidade a desvios. Não erram, não contradizem campanhas, não demandam renegociação. São, nesse sentido, profissionais ideais.

Essa nova geração de criadores, ainda que desprovida de subjetividade, atua com força plena sobre a subjetividade dos demais. E talvez resida aí o ponto decisivo: o conteúdo deixou de depender de uma experiência vivida e passou a ser concebido como estrutura, linguagem, imagem — algo que pode ser simulado e otimizado por algoritmos. A naturalidade deixa de ser atributo espontâneo e passa a ser projeto técnico.

Estamos diante de uma inflexão no modo como o conteúdo é pensado, produzido e consumido. A indústria da influência, como se convencionou chamá-la, será reformulada desde sua base. Não apenas por razões econômicas, mas sobretudo pela nova lógica da mediação: o que conta, cada vez mais, não é quem fala, mas como se fala — e que efeitos produz.

O desafio, portanto, não é resistir ou denunciar, mas compreender. Preparar-se para um ambiente em que a criação de conteúdo será menos ofício pessoal e mais competência combinatória — uma arte de montagem. Isso exigirá de nós novos critérios de avaliação, atenção redobrada à origem e intenção das mensagens e, talvez, uma reconquista do espaço reservado ao que escapa à simulação: o improviso, o lapso, o silêncio.

Num tempo em que se pode programar até a espontaneidade, o que resta de genuíno talvez não esteja na aparência, mas na capacidade crítica de quem assiste.

E, ao olharmos para o que se tornaram as celebridades contemporâneas — com sua presença onipresente, estética imaculada e engajamento sempre em alta —, é natural que uma pergunta surja, não sem certa inquietação: haverá, em breve, Virgínias Fonsecas que nunca existiram?

A era da IA está apenas começando!

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Até o próximo!

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